segunda-feira, março 26, 2007

Do "Livro do Desassossego"


"O coração, se pudesse pensar, pararia.

Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.

Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também".

1 comentário:

Anónimo disse...

adorava encontrar esse livro do heteronimo Bernardo Soares...
"Fluido, o abandono do dia finda entre purpuras exaustas. Ninguem me dira quem eu sou, nem sabera quem eu fui (...). Todos quanto amei me esqueceram na sombra. Ninguem soube do ultimo barco. No correio nao havia noticia da carta que ninguem haveria de escrever." é algo que vai para alem das palavras... Parabens tbm pla makete, plo menos uma fa têm ;) kiss*